Dança criativa: a qualidade da experiência subjetiva
Edvânia Conceição Fernandes Silva Campeiz
Catia Mary Volp
LACCEM – Departamento de Educação Física UNESP - Rio Claro SP.
Resumo: Este relato aborda a experiência em uma oficina de “dança criativa” oferecida no Encontro Laban em 2002.
Objetivou-se facilitar o processo de ensino e aprendizagem em dança criativa através dos “elementos do fluxo”. O programa fundamentou-se nos seguintes temas:
a “qualidade da experiência subjetiva” no ensino de dança;
vivências
lúdicas em dança criativa; reaprendizagem de padrões de movimento e seu significado subjetivo.
A vivência foi
composta por uma performance temática, inspirada pelo pensamento filosófico de Laban, partindo para o Preparo Corporal, Processo Criativo e Composição, apoiados em suas sugestões sobre “movimentos relacionados a pessoas e objetos”.
Finalizou-se com o compartilhar das composições individuais em forma de apresentação integrativa.
Palavras-chave: Dança, ensino, criatividade, expressão, fluxo.
Criative dance: the quality of the subjective experience
Abstract: This communication is about the experience taken during a “creative dance” workshop offered during the
Laban Meeting in 2002. The aim was to facilitate the teaching-learning process in creative dance through flow
elements. The program was based on the following topics: - The “quality of subjective experience” in dance teaching;
- Recreative experience in creative dance; - Re-learning movement patterns and their subjective meaning. The
experience was arranged with a thematic performance, inspired by Laban´s phylosophical thoughts, beginning with a
Corporeal Preparation, Creative Process and Composition, based on his suggestions about “movements related to
people and objects”. The experience ended by sharing individual´s compositions in the framework of an integrative
presentation.
Key Words: Dance, teaching, creativity, expression, flow.
Introdução
Esta oficina propôs uma abordagem teórica e prática das
habilidades motoras básicas sob o enfoque dos fatores de
movimento propostos por Laban. As vivências buscaram de
uma forma lúdica, equilibrar os desafios com as capacidades
pessoais de modo a integrar as categorias de comportamento
dos domínios cognitivo, sócio-afetivo e psicomotor à
habilidade criativa, visando proporcionar a “qualidade da
experiência” em dança educacional.
Objetivou-se, especificamente, facilitar o processo de
ensino e aprendizagem em dança criativa através da
“experiência ótima”, buscando estimular um público com
experiência em dança, de forma desafiante através do
movimento metafórico.
O programa constou de uma exposição teórica dos
seguintes temas: a “qualidade da experiência subjetiva” no
ensino de dança; vivências lúdicas em dança criativa;
reaprendizagem de padrões de movimento e seu significado
subjetivo.
A metodologia das vivências constou de um Preparo
Corporal inspirado por uma performance temática sobre o
pensamento filosófico de Laban. Em seguida partiu para um
Processo Criativo estimulado pela metáfora do “significado
(pessoal) da dança na vida”, o qual seguiu o caminho das
imagens metafóricas concretizadas em movimento
metafórico. Este processo teve como resultando uma
Composição realizada num percurso fluente constando das
três fases de “movimentos relacionados a pessoas e objetos”
sugeridos por Laban: a “preparação”, o “contato propriamente
dito” e o “soltar”. Estas três fases foram compostas
respectivamente pelas habilidades motoras fundamentais de
estabilidade, de locomoção e de manipulação, vivenciadas
através dos contrastes e nuances dos fatores de movimento.
Para finalizar, as composições individuais foram
compartilhadas em uma apresentação integrativa.
E. C. F. S. Campeiz & C. M. Volp
A “qualidade da experiência subjetiva” no
ensino de dança
Csikszentmihalyi (1992) afirma que pode-se atingir a
qualidade da experiência subjetiva em atividades que
promovam um estado de satisfação plena quando agimos com
total envolvimento. São experiências intrinsecamente
recompensadoras e que levam ao crescimento do self e a auto-
realização. O autor desenvolveu a “Teoria do Fluxo” a partir
do estudo desse tipo de qualidade da experiência que
pesquisou em várias partes do mundo e em vários tipos de
atividades. A metáfora do “fluxo” foi utilizada por muitas
pessoas ao descreverem a sensação de ação sem esforço
experimentada em momentos que se destacaram como os
melhores de suas vidas, chamadas também de experiência
ótima. Os atletas se referem a esses momentos como “atingir
o auge”, os místicos religiosos expressam como “êxtase”, e os
artistas
descrevem-no
como
“enlevo
estético”
(CSIKSZENTMIHALYI, 1999).
Segundo o autor acima, depois que a pessoa sentiu-se
fluir, “[...] a organização do self torna-se mais complexa do
que antes. É ao tornar-se progressivamente mais complexo
que o self cresce.” (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 68).
Um self complexo é aquele que consegue combinar dois
principais processos psicológicos: a diferenciação e a
integração. A diferenciação refere-se a um movimento em
direção à individualidade. A integração é um movimento
oposto, trata-se de uma união com outras pessoas, idéias e
seres exteriores ao self (CSIKSZENTMIHALYI, 1992).
Após vivências do “fluir” o self torna-se mais
diferenciado pois, superar um desafio, inevitavelmente, faz
com que a pessoa sinta-se mais capaz, mais apta, menos
previsível, e dotada de capacidades mais raras. No estado de
profunda concentração durante o “fluir”, a consciência está
extraordinariamente bem organizada, ou seja, pensamentos,
intenções, sentimentos e todos os sentidos estão concentrados
na mesma meta. Portanto, quando cessa a sensação do “fluir”,
ocorre a sensação de maior integração, não apenas
interiormente, mas também externamente, no que se refere às
outras pessoas e ao mundo em geral.
As atividades que induzem ao fluxo são chamadas de
“atividades de fluxo” porque tornam mais provável a
ocorrência da experiência. A dança foi apontada como uma
atividade potencializadora da “experiência do fluxo”.
Portanto, busca-se estruturar o ensino de dança utilizando-
se, estrategicamente, alguns elementos apontados pelo autor
como essenciais para facilitar uma experiência qualitativa
subjetiva, ou seja, a “experiência do fluxo”.
Considera-se como o principal elemento o equilíbrio entre
desafios e as capacidades pessoais.
Csikszentmihalyi (1999, p.37) explica que:
Experiências ótimas, geralmente, envolvem um fino
equilíbrio entre a capacidade do indivíduo de agir e as
oportunidades disponíveis para a ação. Se os desafios
são altos demais, a pessoa fica frustrada, em seguida
preocupada e mais tarde ansiosa. Se os desafios são
baixos em relação às habilidades do indivíduo, ele fica
relaxado, em seguida entediado. É mais provável que o
profundo envolvimento que estabelece o fluxo ocorra
quando a atividade apresenta altos desafios e a pessoa
corresponde com altas habilidades.
Deste modo, as atividades devem apresentar regras que
exijam o aprendizado de novas habilidades, tornando a
pessoa mais complexa.
As atividades potenciais de “fluxo” devem também conter
metas claras para as ações, para que a pessoa consiga concluir
a tarefa; devem fornecer feedback imediato que deixem claro
o seu desempenho. Com metas claras e retorno imediato a
atenção pode centrar-se, ordenar-se com total investimento,
tornando possível o controle das ações. Deste modo não
existe espaço na consciência para pensamentos que distraiam,
para sentimentos incoerentes. A autoconsciência desaparece,
fazendo com que a pessoa sinta-se mais forte do que de
costume. O senso de tempo é distorcido pois, as horas
parecem passar como minutos. A experiência exige uma
motivação intrínseca, ou seja, a recompensa é a satisfação em
realizá-la.
Porém, deve-se evitar uma visão mecanicista e enganosa
de esperar que, somente o envolvimento da pessoa de forma
objetiva em uma atividade que flui garanta a experiência
adequada. A maneira como a pessoa sente-se em qualquer
momento de uma atividade que flui é muito influenciada
pelas condições objetivas, entretanto, a consciência ainda é
livre para fazer sua própria avaliação.
É importante ressaltar que na experiência do “fluxo”
sempre ocorre a descoberta de algo novo, seja sobre a própria
pessoa e/ou sobre a atividade. Ela é importante porque torna o
momento presente mais agradável e porque cria
autoconfiança que permite desenvolver capacidades de fazer
contribuições significativas à humanidade. Isso vai de
encontro ao que Laban (1978, p. 166) acreditava: “toda
pessoa tem a tendência de ampliar a gama de suas
capacidades de esforço, sendo que essa ampliação se
relaciona ao seu próprio desenvolvimento pessoal.”
Vivências lúdicas em dança criativa
A dança possui o potencial característico dos jogos como
atividade intrinsecamente recompensadora. A ludicidade está
sempre presente na dança, bem como o mimetismo que
Motriz, Rio Claro, v.10, n.3, p.167-172, set./dez. 2004
Dança criativa: movimento metafórico
amplia os limites da experiência comum, ao tornar, por algum
tempo, as pessoas diferentes e poderosas.
Outra dimensão característica da dança é a criatividade,
que deve ser valorizada essencialmente em uma proposta
educativa, pois, a natureza da dança como arte fica explícita
no aspecto criativo que a conceitua e em seus conteúdos
específicos de expressão estética. Segundo Langer (1980, p.
182) “A ilusão primária de uma arte é algo criado e criado ao
primeiro toque – nesse caso, com o primeiro movimento,
executado ou mesmo sugerido.”
Em concordância com Laban (1990) a dança, como forma
de arte, tem lugar no palco e na recreação, sendo que nas
escolas, o que se procura não é a perfeição ou a criação e
execução de danças sensacionais, mas o efeito benéfico que a
criatividade da dança tem sobre o aluno.
Na aulas de dança criativa privilegia-se temas básicos de
movimento e suas variações, ao invés de uma série de
exercícios estandartizados (MIRANDA, 1979).
A dança criativa estimula a criatividade e auto-expressão,
ao proporcionar uma atmosfera amigável, informativa e
aberta, criando um ambiente de aprendizagem positivo. Além
disso, ela pode melhorar o desenvolvimento social através do
jogo imaginativo e das atividades cooperativas (GILBERT,
1992). É também considerada como ensino diferenciado que
resume em aprendizado criativo dos elementos da dança,
resultando no prazer de dançar e de expressar-se através do
corpo (JOYCE, 1994). Para Joyce, a meta da dança criativa é
a comunicação através do movimento. Ela considera
importante que o dançarino utilize recursos internos para
fazer uma declaração direta e clara. O indivíduo é a primeira
fonte, e por isso, no ensino busca-se o indivíduo criador ao
invés do intérprete.
A autora afirma que a dança criativa é uma disciplina para
lidar com o self. Ela considera que o self não é apenas o
corpo, nem apenas a mente, nem apenas os sentimentos, mas
a criança toda. Sendo a consciência do eu de primeira
importância para todas as crianças, a dança criativa as conduz
a relacionarem-se consigo mesmas. Assim é um corpo de
conhecimento definido que lida com os elementos que podem
ser explorados, aprendidos, organizados e utilizados.
Para Laban (1978) a pesquisa e a análise da linguagem do
movimento e, portanto, da representação e da dança só pode
ser fundamentada no conhecimento e na prática dos
elementos do movimento, de suas combinações e seqüências,
bem como no estudo de sua significação. Ele explica que:
As formas e ritmos configurados a partir de ações de
esforço básico, de sensações de movimento, de esforço
incompleto e do ímpeto para movimento, informam
sobre a relação que a pessoa estabelece com seus
mundos interno e externo. (LABAN, 1978, p. 168).
Motriz, Rio Claro, v.10, n3, p.167–172, set./dez. 2004
Esta oficina fundamenta-se nos estudos dos autores
citados. Desta forma, buscou-se estruturar o processo de
ensino e aprendizagem em dança criativa relacionando,
estrategicamente, os elementos do “fluxo” na elaboração das
vivências.
O maior enfoque refere-se ao equilíbrio entre os desafios
com as capacidades pessoais. Considerou-se como desafios os
fatores de movimento: espaço, tempo, peso e fluência. As
capacidades foram consideradas as habilidades motoras
fundamentais classificadas por Gallahue (2001) como de
movimentos de estabilidade (inclinar, alongar, girar, virar,
balançar, apoios, rolamentos, finalizar, parar, esquivar-se,
equilibrar), de movimentos locomotores (caminhar, correr,
pular, saltar, deslizar, guiar, escalar) e de movimentos
manipulativos (arremessar, interceptar, chutar, capturar,
golpear, volear, quicar, rolar).
Considerou-se, também, um alto desafio o trabalho com
imagens metafóricas que foram utilizadas como tema nas três
fases metodológicas da oficina, ou seja, no Preparo Corporal,
no Processo Criativo e na Composição.
Utilizou-se o Gráfico de Esforço proposto por Laban
(1978, p.126) como um caminho estratégico de
experimentação levando em consideração seus “elementos
lutantes e complacentes”; em seus “aspectos mensuráveis de
funções objetivas”; e em seus “aspectos classificáveis de
sensação do movimento”.
Portanto, esta proposta metodológica foi estruturada de
forma a respeitar as capacidades pessoais referentes as
habilidades motoras, experimentadas nas variações
desafiantes dos elementos dos fatores de movimento.
Acredita-se que isso pode facilitar o processo de ensino e
aprendizagem da dança sob uma perspectiva criativa,
tornando possível a participação de variadas faixas etárias,
consideradas em seus respectivos contextos.
Reaprendizagem de padrões de movimento e seu
significado subjetivo
A dança criativa pode explorar, através de imagens, os
movimentos metafóricos. Deste modo, pode-se atingir as
várias potencialidades dos movimentos corporais como
veículo das metáforas, tornando-os mais significativos.
Para Laban (1978, p.49), um “simples gesto de qualquer
parte do corpo revela um aspecto de nossa vida interior”. Isso
significa que o movimento de uma pessoa acontece a partir de
impressões gravadas no cérebro de modo que qualquer
mudança de movimento corresponde uma mudança na
memória associativa, nas sensações, sentimentos e no quadro
de referências. Assim, a partir de novas formas de
movimentos, automaticamente acontece o acionamento de
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E. C. F. S. Campeiz & C. M. Volp
novas conexões, estabelecendo no indivíduo um sentir, um
pensar e um agir diferentes dos ocorridos até então (LIMA,
2001).
De acordo com Lakoff-Johnson (apud DASCAL, 1992), a
maior parte do nosso sistema conceitual básico, em termos do
que pensamos, agimos e falamos, é estruturado
metaforicamente. Isto significa que conceitos metafóricos
servem para organizar campos inteiros de experiência.
Laban (1978) afirmou que a alteração da organização
habitual de esforços nas várias posturas e ações corporais
constituir-se-á no meio essencial do qual o ator/aluno poderá
lançar mão para elaborar sua caracterização.
O que se propõe nesta oficina consiste na experimentação
das habilidades motoras básicas modificadas pelos desafios
dos fatores de movimento em seus contrastes e nuances, que
ao transformarem as ações habituais, podem levar a
descobertas de novos padrões de movimentos de caráter
expressivo.
Na infância a aprendizagem das habilidades motoras
básicas acontece permeada de experimentações variadas
desses fatores de movimento de forma habitual. A criança se
desloca rastejando, deslizando em superfícies inclinadas,
escalando, rolando pelo chão, em apoios invertidos, etc.; o
mesmo acontece com as habilidades manipulativas e de
estabilidade, pois, nesta fase, elas são exploradas em níveis e
planos diferentes do espaço, com intensidades, durações e
fluências variadas. Essas experimentações não são habituais
para o adulto, mas podem ser reaprendidas em uma aula de
dança criativa, enriquecendo o repertório de movimentos e
tornando possível a descoberta de novos padrões de
movimentos expressivos, com significados subjetivos.
Laban (1978, p. 176) esclarece que:
Faz parte do drama a luta dos impulsos em nosso
interior. Quase todas as nossas decisões são o
resultado de uma luta interior que pode tornar-se
visível até mesmo numa postura corporal inteiramente
imóvel. Uma posição corporal sempre é o resultado de
movimentos prévios ou a antecipação de futuros
movimentos, que tanto deixam sua marca impressa na
postura do corpo, como anunciam a próxima.
O autor afirma que: a caracterização é uma arte e, à parte a
verdade psicológica, há muitos fatores que determinam a
escolha feita pelo artista das seqüências definitivas de
movimento e esforço. (LABAN, 1978, p.171).
Acredita-se, portanto, que as habilidades motoras básicas
experimentadas com as diferentes dinâmicas dos fatores de
movimento, como um meio metafórico de expressão, pode
levar à descobertas significativas, as quais podem influenciar
as ações motoras, estados emocionais, estados cognitivos,
relações interpessoais, motivações, etc.
Metodologia
Preparo corporal
O pensamento de Laban inspirou uma performance
temática, com o objetivo de sensibilização dos participantes
sobre a seguinte questão: Qual é o significado (pessoal) da
dança em suas vidas? Os participantes receberam três tecidos
de cores diferentes para auxiliá-los na concretização dessa
metáfora em movimento expressivo. Em seguida
compartilharam sua metáfora com os outros participantes.
Finalizando este momento, deixaram os objetos metafóricos
em um ponto do espaço.
Inspiração metafórica
O texto a seguir foi interpretado cenicamente pela
professora aos participantes da oficina.
Desejamos ver a vida de um ângulo novo e, desta
forma, entender mais completamente as violentas
batidas de nossos próprios corações. Imersos como
estamos na perspectiva comum da multidão, desejamos
esquecer nossas preocupações e interesses individuais
e rir ou talvez chorar. Perguntas podem ser
respondidas por um grupo de artistas, indivíduos que
aprenderam a dominar sua química pessoal de esforço
e a coordená-la com a do grupo. Este feito não pode
ser conseguido apenas por meio de uma disciplina
mecânica. É evidente que seus corpos devem ser
treinados para a tarefa, a fim de que tenham condições
de criar formas e sombras de ações imaginárias; suas
criações, no entanto, devem simbolizar e estar repletas
de um nível de vida aquém e além da percepção
sensorial. (LABAN, 1978, p.230).
As palavras que exprimem sentimentos, sensações,
emoções ou certos estados espirituais e mentais não
são capazes de fazer mais do que arranhar de leve a
superfície das respostas interiores que as formas e
ritmos das ações corporais têm condições de evocar. O
movimento, em sua brevidade, pode dizer muito mais
do que páginas e páginas de descrições verbais.
(LABAN, 1978, p. 141).
Processo Criativo
O processo criativo foi inspirado na proposta de Laban
(1978, p. 109), especificamente, sobre
“Movimentos
relacionados a pessoas e objetos”, e dividido em três fases
principais: a) Preparação; b) Contato propriamente dito; e c)
Soltar.
a) Preparação
Na fase preparatória foram sugeridas ações de “olhar”, ou
seja, “endereçar” o ponto de interesse em direção ao objeto
metafórico,
utilizando-se
as
habilidades
motoras
fundamentais de estabilidade sugeridas com variações
Motriz, Rio Claro, v.10, n.3, p.167-172, set./dez. 2004
Dança criativa: movimento metafórico
desafiantes dos elementos do esforço para a criação de
movimentos metafóricos.
b) Contato propriamente dito
Em seguida propôs-se uma “aproximação” do ponto de
interesse que compreende em desenvolver um caminho pelo
espaço utilizando-se as habilidades motoras fundamentais de
locomoção sugeridas com variações desafiantes dos
elementos do esforço; tendo em vista a criação de uma
seqüência de movimentos constando de: deslocamento,
aproximação, encontro, rodeio, contato indireto, e contato
direto com o objeto metafórico (tecidos). O momento de
aproximação envolve tanto a locomoção, quanto os gestos. A
aproximação pode ser efetuada a partir de qualquer direção
espacial. Explora-se neste momento, as sensações, dando
qualidades ao objeto metafórico de cheiro, textura, sabor, cor,
temperatura, tamanho, etc. No momento do encontro, é
importante a relação espacial da localização dos sujeitos da
ação, e existe uma total liberdade direcional, respeitando o
contexto da situação. O rodear demanda o emprego de várias
partes do corpo circundando o alvo, a partir de várias
direções, enquanto que o contato indireto significa ir ao ponto
de interesse a partir de uma única direção sem tocar o objeto
metafórico.
O contato, propriamente dito, foi sugerido com a
utilização
das
habilidades
motoras
fundamentais
manipulativas com variações desafiantes dos elementos do
esforço. Esse contato poderia ser efetuado tocando a partir de
qualquer direção; deslizando ao longo de qualquer direção da
superfície do objeto; transferindo o peso de cima do objeto;
carregando o objeto que descansa sobre alguma parte do
corpo; segurando o objeto por um de seus lados, rodeando-o
com várias partes do corpo.
A liberação do contato com o objeto metafórico envolvia
ações corporais que podiam assumir diferentes direções no
espaço propiciando o desenvolvimento das diferentes
categorias de habilidades motoras fundamentais com
variações livres dos elementos do esforço.
tendo-se a possibilidade de interação entre os participantes e
de integração do grupo.
Utilizou-se, mais uma vez, o pensamento de Laban como
sensibilização para esta composição integrativa, propondo-se
o compartilhar das composições metafóricas propostas sobre
a questão temática do “significado (pessoal) da dança na
vida”.
Quando se oferece ajuda aos outros, um sussurro
emocional causará arrepios. Como é que isto se
expressaria em termos de movimentos? São diferentes
as duas modalidades de satisfação que acompanham a
obtenção de valores de ordem material e moral. No
primeiro caso, a satisfação poderá ser intensa mas, de
alguma forma, manter-se-á superficial; no segundo
ocorrerá muito mais profundamente. É a porção íntima
do ser humano que responde aos valores morais.
(LABAN, 1978, p. 226)
Este pensamento sugere uma reflexão sobre o significado
da dança para cada um, de acordo com os valores culturais,
materiais e morais. O trabalho de dança criativa, aqui
proposto, teve a perspectiva do envolvimento emocional e
reflexivo, visto que estes aspectos encontram-se vislumbrados
com importância significativa nas propostas de Laban.
Para Laban (1978, p. 177) “[...] o ator pode se constituir
num grande doador de seu próprio eu, tornando-se um
mediador entre o eu solitário do espectador e o mundo dos
valores.”
Nesta composição integrativa, ao compartilhar a metáfora
descoberta, as participantes tiveram a oportunidade de doar e
receber, através do movimento expressivo, impressões
carregadas de valores morais que a dança é capaz de
despertar. Esses valores, quando compartilhados, funcionam
como recompensas intrínsecas que podem ser referidas como
“o sussurro emocional” citado por Laban, fundamentais para
se alcançar a “qualidade da experiência subjetiva”, ou seja, o
“fluxo”.
As músicas utilizadas durante a oficina foram do CD
Parabelo (produzido para o espetáculo de dança, de mesmo
nome, do Grupo Corpo), do CD The best of Yanny do
compositor Yanny; e do CD The visit da cantora Lorena
Mackennitt.
A dança, com perspectivas de criatividade e auto-
expressão por não exigir habilidades motoras previamente
especializadas, oferece a oportunidade de participação
integrativa de pessoas de vários contextos sociais. Todos
podem experimentar o prazer em expressar-se criativamente
através da dança, de acordo com suas habilidades pessoais de
nível cognitivo, sócio-afetivo e psicomotor .
Considerações Finais
Após a elaboração de toda a seqüência, foi proposta sua
repetição, com o objetivo de torná-la mais definida e mais
intensa em termos de sensações e sentimentos surgidos
durante o processo criativo.
A proposta final constou de duas etapas: uma
apresentação da descoberta individual da composição
metafórica; e, em seguida, uma apresentação simultânea em
forma de compartilhamento das composições metafóricas,
Motriz, Rio Claro, v.10, n3, p.167–172, set./dez. 2004
E. C. F. S. Campeiz & C. M. Volp
No entanto, deve-se ter o cuidado de, na metodologia,
adotar estratégias de ensino compatível ao contexto dos
alunos.
Nesta proposta de ensino de dança buscou-se estratégias
que fossem contextuais a um público com experiência
profissional em dança. Portanto, considerou-se como um alto
desafio o trabalho com imagens metafóricas relacionadas ao
significado pessoal da dança; sugerido durante todo o
desenvolvimento da proposta metodológica, a qual foi
estruturada pelas habilidades motoras fundamentais e
experimentadas através das desafiantes variações dos
elementos do esforço.
Não existiu a pretensão de ocorrência do “fluxo” em uma
primeira experiência durante a oficina. O que se pretendeu foi
apresentar uma estrutura didaticamente fundamentada para
melhorar a motivação intrínseca em dançar, que pode ser
aplicada em outros contextos de ensino de dança. Vale
ressaltar que os estudos do Laban permitem uma análise do
envolvimento dos participantes na experiência, a partir dos
movimentos apresentados durante as composições que pode
ser de grande valia para guiar o professor na reestruturação da
metodologia durante e após a oficina.
O pensamento filosófico de Laban foi o norteador das
intenções desta proposta, portanto, esperou-se também, com
este processo, que os participantes tivessem a oportunidade de
vivenciar a dança de maneira intensa e significativa e
pudessem assim, descobrir novas habilidades pessoais para
alcançar a qualidade da experiência subjetiva.
LABAN, R. Domínio do movimento. São Paulo: Summus,
1978.
______. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990.
LANGER, S. K. Sentimento e forma. São Paulo:
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LIMA, N. O movimento como metáfora do inconsciente.
Revista Tesseract. Julho 2001. Disponível em:
http://www.tesseract.psc.br. Acesso em: novembro-2002.
MIRANDA, R. O movimento expressivo. Rio de Janeiro:
Funarte, 1979.
Referências
Endereço:
Edvânia Conceição Fernandes Silva Campeiz
Rua Antônio Pinto, 60 Jardim Murayama
Mogi Mirim SP
13807 704
E-mail: edvaniacampeiz@uol.com.br
Agradecimentos
A autora recebeu o apoio financeiro da CAPES durante o
mestrado. Agradecimento especial à organizadora do
Encontro Laban 2002 , Regina Miranda e às participantes da
oficina “Dança criativa: habilidades motoras básicas e fatores
de movimento” realizada no Encontro Laban 2002 no Museu
de Arte Moderna em agosto de 2002 na cidade do Rio de
Janeiro – RJ.
OBS. Esta oficina foi ministrada no Encontro Laban 2002 no
Museu de Arte Moderna em agosto, na cidade do Rio de
Janeiro – RJ. O resumo consta nos anais e no programa do
Encontro com o título: Dança criativa: habilidades motoras
básicas e fatores de movimento. Este relato refere-se portanto
à fundamentação teórica e à visão das autoras sobre a
experiência durante a oficina.
Manuscrito recebido em 01 de outubro de 2004.
Manuscrito aceito em 10 de junho de 2005.
CSIKSZENTMIHALYI, M. A psicologia da felicidade. São
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1994.
Motriz, Rio Claro, v.10, n.3, p.167-172, set./dez. 2004
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