Dança criativa: a qualidade da experiência subjetiva
Edvânia Conceição Fernandes Silva Campeiz
Catia Mary Volp
LACCEM – Departamento de Educação Física UNESP - Rio Claro SP.
Resumo: Este relato aborda a experiência em uma oficina de “dança criativa” oferecida no Encontro Laban em 2002.
Objetivou-se facilitar o processo de ensino e aprendizagem em dança criativa através dos “elementos do fluxo”. O programa fundamentou-se nos seguintes temas:
a “qualidade da experiência subjetiva” no ensino de dança;
vivências lúdicas em dança criativa; reaprendizagem de padrões de movimento e seu significado subjetivo.
A vivência foi composta por uma performance temática, inspirada pelo pensamento filosófico de Laban, partindo para o Preparo Corporal, Processo Criativo e Composição, apoiados em suas sugestões sobre “movimentos relacionados a pessoas e objetos”.
Finalizou-se com o compartilhar das composições individuais em forma de apresentação integrativa.
Introdução
Esta oficina propôs uma abordagem teórica e prática das habilidades motoras básicas sob o enfoque dos fatores de movimento propostos por Laban.
As vivências buscaram de uma forma lúdica, equilibrar os desafios com as capacidades
pessoais de modo a integrar as categorias de comportamento dos domínios cognitivo, sócio-afetivo e psicomotor à habilidade criativa, visando proporcionar a “qualidade da experiência” em dança educacional.
Objetivou-se, especificamente, facilitar o processo de ensino e aprendizagem em dança criativa através da “experiência ótima”, buscando estimular um público com
experiência em dança, de forma desafiante através do
movimento metafórico.
O programa constou de uma exposição teórica dos seguintes temas: a “qualidade da experiência subjetiva” no ensino de dança; vivências lúdicas em dança criativa;
reaprendizagem de padrões de movimento e seu significado subjetivo.
A metodologia das vivências constou de um Preparo Corporal inspirado por uma performance temática sobre o pensamento filosófico de Laban.
Em seguida partiu para um Processo Criativo estimulado pela metáfora do “significado
(pessoal) da dança na vida”, o qual seguiu o caminho das imagens metafóricas concretizadas em movimento metafórico.
Este processo teve como resultando uma Composição realizada num percurso fluente constando das três fases de “movimentos relacionados a pessoas e objetos”
sugeridos por Laban: a “preparação”, o “contato propriamente dito” e o “soltar”.
Estas três fases foram compostas respectivamente pelas habilidades motoras fundamentais de estabilidade, de locomoção e de manipulação, vivenciadas através dos contrastes e nuances dos fatores de movimento.
Para finalizar, as composições individuais foram compartilhadas em uma apresentação integrativa.
A “qualidade da experiência subjetiva” no ensino de dança
Csikszentmihalyi (1992) afirma que pode-se atingir a qualidade da experiência subjetiva em atividades que promovam um estado de satisfação plena quando agimos com
total envolvimento.
São experiências intrinsecamente recompensadoras e que levam ao crescimento do self e a auto-realização.
O autor desenvolveu a “Teoria do Fluxo” a partir do estudo desse tipo de qualidade da experiência que pesquisou em várias partes do mundo e em vários tipos deatividades.
A metáfora do “fluxo” foi utilizada por muitas pessoas ao descreverem a sensação de ação sem esforço experimentada em momentos que se destacaram como os melhores de suas vidas, chamadas também de experiência ótima. Os atletas se referem a esses momentos como “atingir o auge”, os místicos religiosos expressam como “êxtase”, e os
artistas descrevem-no como“enlevo estético” (CSIKSZENTMIHALYI, 1999).
Segundo o autor acima, depois que a pessoa sentiu-se fluir, “[...] a organização do self torna-se mais complexa do que antes. É ao tornar-se progressivamente mais complexo que o self cresce.” (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 68).
Um self complexo é aquele que consegue combinar dois principais processos psicológicos: a diferenciação e a integração. A diferenciação refere-se a um movimento emdireção à individualidade.
A integração é um movimentooposto, trata-se de uma união com outras pessoas, idéias e
seres exteriores ao self (CSIKSZENTMIHALYI, 1992).
Após vivências do “fluir” o self torna-se mais diferenciado pois, superar um desafio, inevitavelmente, faz com que a pessoa sinta-se mais capaz, mais apta, menos
previsível, e dotada de capacidades mais raras.
No estado de profunda concentração durante o “fluir”, a consciência está
extraordinariamente bem organizada, ou seja, pensamentos,intenções, sentimentos e todos os sentidos estão concentrados na mesma meta.
Portanto, quando cessa a sensação do “fluir”,ocorre a sensação de maior integração, não apenas interiormente, mas também externamente, no que se refere às
outras pessoas e ao mundo em geral.
As atividades que induzem ao fluxo são chamadas de“atividades de fluxo” porque tornam mais provável a ocorrência da experiência.
A dança foi apontada como uma atividade potencializadora da “experiência do fluxo”.
Portanto, busca-se estruturar o ensino de dança utilizando- se, estrategicamente, alguns elementos apontados pelo autorcomo essenciais para facilitar uma experiência qualitativasubjetiva, ou seja, a “experiência do fluxo”.
Considera-se como o principal elemento o equilíbrio entredesafios e as capacidades pessoais.
Csikszentmihalyi (1999, p.37) explica que:
Experiências ótimas, geralmente, envolvem um fino equilíbrio entre a capacidade do indivíduo de agir e asoportunidades disponíveis para a ação. Se os desafios
são altos demais, a pessoa fica frustrada, em seguida preocupada e mais tarde ansiosa.
Se os desafios são baixos em relação às habilidades do indivíduo, ele fica relaxado, em seguida entediado. É mais provável que o profundo envolvimento que estabelece o fluxo ocorra quando a atividade apresenta altos desafios e a pessoa corresponde com altas habilidades.
Deste modo, as atividades devem apresentar regras que exijam o aprendizado de novas habilidades, tornando a pessoa mais complexa.
As atividades potenciais de “fluxo” devem também conter metas claras para as ações, para que a pessoa consiga concluir a tarefa; devem fornecer feedback imediato que deixem claro bo seu desempenho.
Com metas claras e retorno imediato a atenção pode centrar-se, ordenar-se com total investimento, tornando possível o controle das ações.
Deste modo não existe espaço na consciência para pensamentos que distraiam,
para sentimentos incoerentes.
A autoconsciência desaparece, fazendo com que a pessoa sinta-se mais forte do que de
costume.
O senso de tempo é distorcido pois, as horas parecem passar como minutos.
A experiência exige uma motivação intrínseca, ou seja, a recompensa é a satisfação em
realizá-la.
Porém, deve-se evitar uma visão mecanicista e enganosa de esperar que, somente o envolvimento da pessoa de forma objetiva em uma atividade que flui garanta a experiência adequada.
A maneira como a pessoa sente-se em qualquer momento de uma atividade que flui é muito influenciada pelas condições objetivas, entretanto, a consciência ainda é
livre para fazer sua própria avaliação.
É importante ressaltar que na experiência do “fluxo” sempre ocorre a descoberta de algo novo, seja sobre a própria pessoa e/ou sobre a atividade.
Ela é importante porque torna o momento presente mais agradável e porque cria
autoconfiança que permite desenvolver capacidades de fazer contribuições significativas à humanidade.
Isso vai de encontro ao que Laban (1978, p. 166) acreditava: “toda pessoa tem a tendência de ampliar a gama de suas capacidades de esforço, sendo que essa ampliação se relaciona ao seu próprio desenvolvimento pessoal.”
Vivências lúdicas em dança criativa
A dança possui o potencial característico dos jogos como atividade intrinsecamente recompensadora. A ludicidade está sempre presente na dança, bem como o mimetismo que
Dança criativa: movimento metafórico amplia os limites da experiência comum, ao tornar, por algum tempo, as pessoas diferentes e poderosas.
Outra dimensão característica da dança é a criatividade, que deve ser valorizada essencialmente em uma propostaeducativa, pois, a natureza da dança como arte ficaexplícitano aspecto criativo que a conceitua e em seus conteúdos
específicos de expressão estética.
Segundo Langer (1980, p.182) “A ilusão primária de uma arte é algo criado e criado ao
primeiro toque – nesse caso, com o primeiro movimento, executado ou mesmo sugerido.”
Em concordância com Laban (1990) a dança, como forma de arte, tem lugar no palco e na recreação, sendo que nasescolas, o que se procura não é a perfeição ou a criação e
execução de danças sensacionais, mas o efeito benéfico que a criatividade da dança tem sobre o aluno.
Na aulas de dança criativa privilegia-se temas básicos de movimento e suas variações, ao invés de uma série de exercícios estandartizados (MIRANDA, 1979).
A dança criativa estimula a criatividade e auto-expressão, ao proporcionar uma atmosfera amigável, informativa eaberta, criando um ambiente de aprendizagem positivo.
Alémdisso, ela pode melhorar o desenvolvimento social através do
jogo imaginativo e das atividades cooperativas (GILBERT,1992).
É também considerada como ensino diferenciado que resume em aprendizado criativo dos elementos da dança,resultando no prazer de dançar e de expressar-se através do
corpo (JOYCE, 1994).
Para Joyce, a meta da dança criativa éa comunicação através do movimento. Ela consideraimportante que o dançarino utilize recursos internos para fazer uma declaração direta e clara.
O indivíduo é a primeira fonte, e por isso, no ensino busca-se o indivíduo criador ao
invés do intérprete.
A autora afirma que a dança criativa é uma disciplina para lidar com o self. Ela considera que o self não é apenas o corpo, nem apenas a mente, nem apenas os sentimentos, mas a criança toda.
Sendo a consciência do eu de primeira importância para todas as crianças, a dança criativa as conduza relacionarem-se consigo mesmas. Assim é um corpo de
conhecimento definido que lida com os elementos que podemser explorados, aprendidos, organizados e utilizados.
Para Laban (1978) a pesquisa e a análise da linguagem do movimento e, portanto, da representação e da dança só podeser fundamentada no conhecimento e na prática dos
elementos do movimento, de suas combinações e seqüências,bem como no estudo de sua significação. Ele explica que:
As formas e ritmos configurados a partir de ações de esforço básico, de sensações de movimento, de esforço incompleto e do ímpeto para movimento, informam sobre a relação que a pessoa estabelece com seus mundos interno e externo. (LABAN, 1978, p. 168).
Esta oficina fundamenta-se nos estudos dos autores
citados.
Desta forma, buscou-se estruturar o processo de ensino e aprendizagem em dança criativa relacionando, estrategicamente, os elementos do “fluxo” na elaboração das vivências.
O maior enfoque refere-se ao equilíbrio entre os desafios
com as capacidades pessoais. Considerou-se como desafios os
fatores de movimento: espaço, tempo, peso e fluência. As
capacidades foram consideradas as habilidades motoras
fundamentais classificadas por Gallahue (2001) como de
movimentos de estabilidade (inclinar, alongar, girar, virar,
balançar, apoios, rolamentos, finalizar, parar, esquivar-se,
equilibrar), de movimentos locomotores (caminhar, correr,
pular, saltar, deslizar, guiar, escalar) e de movimentos
manipulativos (arremessar, interceptar, chutar, capturar,
golpear, volear, quicar, rolar).
Considerou-se, também, um alto desafio o trabalho com
imagens metafóricas que foram utilizadas como tema nas três
fases metodológicas da oficina, ou seja, no Preparo Corporal,
no Processo Criativo e na Composição.
Utilizou-se o Gráfico de Esforço proposto por Laban
(1978, p.126) como um caminho estratégico de
experimentação levando em consideração seus “elementos
lutantes e complacentes”; em seus “aspectos mensuráveis de
funções objetivas”; e em seus “aspectos classificáveis de
sensação do movimento”.
Portanto, esta proposta metodológica foi estruturada de
forma a respeitar as capacidades pessoais referentes as
habilidades motoras, experimentadas nas variações
desafiantes dos elementos dos fatores de movimento.
Acredita-se que isso pode facilitar o processo de ensino e
aprendizagem da dança sob uma perspectiva criativa,
tornando possível a participação de variadas faixas etárias,
consideradas em seus respectivos contextos.
Reaprendizagem de padrões de movimento e seu
significado subjetivo
A dança criativa pode explorar, através de imagens, os
movimentos metafóricos. Deste modo, pode-se atingir as
várias potencialidades dos movimentos corporais como
veículo das metáforas, tornando-os mais significativos.
Para Laban (1978, p.49), um “simples gesto de qualquer parte do corpo revela um aspecto de nossa vida interior”.
Isso significa que o movimento de uma pessoa acontece a partir de impressões gravadas no cérebro de modo que qualquer mudança de movimento corresponde uma mudança na memória associativa, nas sensações, sentimentos e no quadro
de referências. Assim, a partir de novas formas de movimentos, automaticamente acontece o acionamento de novas conexões, estabelecendo no indivíduo um sentir, um pensar e um agir diferentes dos ocorridos até então (LIMA,
2001).
De acordo com Lakoff-Johnson (apud DASCAL, 1992), a maior parte do nosso sistema conceitual básico, em termos do que pensamos, agimos e falamos, é estruturado metaforicamente. Isto significa que conceitos metafóricos servem para organizar campos inteiros de experiência.
Laban (1978) afirmou que a alteração da organização
habitual de esforços nas várias posturas e ações corporais
constituir-se-á no meio essencial do qual o ator/aluno poderá
lançar mão para elaborar sua caracterização.
O que se propõe nesta oficina consiste na experimentação das habilidades motoras básicas modificadas pelos desafios dos fatores de movimento em seus contrastes e nuances, que ao transformarem as ações habituais, podem levar a descobertas de novos padrões de movimentos de caráter expressivo.
Na infância a aprendizagem das habilidades motoras básicas acontece permeada de experimentações variadas desses fatores de movimento de forma habitual.
A criança se desloca rastejando, deslizando em superfícies inclinadas,
escalando, rolando pelo chão, em apoios invertidos, etc.; o mesmo acontece com as habilidades manipulativas e de estabilidade, pois, nesta fase, elas são exploradas em níveis e planos diferentes do espaço, com intensidades, durações e fluências variadas.
Essas experimentações não são habituais para o adulto, mas podem ser reaprendidas em uma aula de dança criativa, enriquecendo o repertório de movimentos e tornando possível a descoberta de novos padrões de movimentos expressivos, com significados subjetivos.
Laban (1978, p. 176) esclarece que:
Faz parte do drama a luta dos impulsos em nosso interior.
Quase todas as nossas decisões são o resultado de uma luta interior que pode tornar-se visível até mesmo numa postura corporal inteiramente
imóvel.
Uma posição corporal sempre é o resultado de movimentos prévios ou a antecipação de futuros movimentos, que tanto deixam sua marca impressa na postura do corpo, como anunciam a próxima.
O autor afirma que: a caracterização é uma arte e, à parte a verdade psicológica, há muitos fatores que determinam a escolha feita pelo artista das seqüências definitivas de movimento e esforço. (LABAN, 1978, p.171).
Acredita-se, portanto, que as habilidades motoras básicas experimentadas com as diferentes dinâmicas dos fatores de movimento, como um meio metafórico de expressão, pode levar à descobertas significativas, as quais podem influenciar
as ações motoras, estados emocionais, estados cognitivos, relações interpessoais, motivações, etc.
Metodologia
Preparo corporal
O pensamento de Laban inspirou uma performance temática, com o objetivo de sensibilização dos participantes sobre a seguinte questão: Qual é o significado (pessoal) da dança em suas vidas?
Os participantes receberam três tecidos de cores diferentes para auxiliá-los na concretização dessa metáfora em movimento expressivo.
Em seguida compartilharam sua metáfora com os outros participantes.
Finalizando este momento, deixaram os objetos metafóricos em um ponto do espaço.
Inspiração metafórica
O texto a seguir foi interpretado cenicamente pela professora aos participantes da oficina.
Desejamos ver a vida de um ângulo novo e, desta forma, entender mais completamente as violentas batidas de nossos próprios corações.
Imersos como
estamos na perspectiva comum da multidão, desejamos esquecer nossas preocupações e interesses individuais e rir ou talvez chorar. Perguntas podem ser respondidas por um grupo de artistas, indivíduos que aprenderam a dominar sua química pessoal de esforço e a coordená-la com a do grupo.
Este feito não pode
ser conseguido apenas por meio de uma disciplina mecânica. É evidente que seus corpos devem ser treinados para a tarefa, a fim de que tenham condições de criar formas e sombras de ações imaginárias; suas criações, no entanto, devem simbolizar e estar repletas de um nível de vida aquém e além da percepção sensorial. (LABAN, 1978, p.230).
As palavras que exprimem sentimentos, sensações,
emoções ou certos estados espirituais e mentais não
são capazes de fazer mais do que arranhar de leve a
superfície das respostas interiores que as formas e
ritmos das ações corporais têm condições de evocar.
O movimento, em sua brevidade, pode dizer muito mais do que páginas e páginas de descrições verbais. (LABAN, 1978, p. 141).
Processo Criativo
O processo criativo foi inspirado na proposta de Laban (1978, p. 109), especificamente, sobre “Movimentos relacionados a pessoas e objetos”, e dividido em três fases principais:
a) Preparação;
b) Contato propriamente dito; e
c) Soltar.
a) Preparação
Na fase preparatória foram sugeridas ações de “olhar”, ou
seja, “endereçar” o ponto de interesse em direção ao objeto metafórico, utilizando-se
as habilidades motoras fundamentais de estabilidade sugeridas com variações
Dança criativa: movimento metafórico desafiantes dos elementos do esforço para a criação de movimentos metafóricos.
b) Contato propriamente dito
Em seguida propôs-se uma “aproximação” do ponto de interesse que compreende em desenvolver um caminho pelo espaço utilizando-se as habilidades motoras fundamentais de locomoção sugeridas com variações desafiantes dos elementos do esforço; tendo em vista a criação de uma seqüência de movimentos constando de:
deslocamento,
aproximação,
encontro,
rodeio,
contato indireto,
e contato direto com o objeto metafórico (tecidos).
O momento de aproximação envolve tanto a locomoção, quanto os gestos. A
aproximação pode ser efetuada a partir de qualquer direção espacial.
Explora-se neste momento, as sensações, dando qualidades ao objeto metafórico de cheiro, textura, sabor, cor, temperatura, tamanho, etc.
No momento do encontro, é importante a relação espacial da localização dos sujeitos da ação, e existe uma total liberdade direcional, respeitando o contexto da situação.
O rodear demanda o emprego de várias partes do corpo circundando o alvo, a partir de várias direções, enquanto que o contato indireto significa ir ao ponto de interesse a partir de uma única direção sem tocar o objeto metafórico.
O contato, propriamente dito, foi sugerido com a utilização das habilidades motoras fundamentais manipulativas com variações desafiantes dos elementos do esforço.
Esse contato poderia ser efetuado tocando a partir de qualquer direção; deslizando ao longo de qualquer direção da superfície do objeto; transferindo o peso de cima do objeto; carregando o objeto que descansa sobre alguma parte do corpo; segurando o objeto por um de seus lados, rodeando-o
com várias partes do corpo.
A liberação do contato com o objeto metafórico envolvia ações corporais que podiam assumir diferentes direções no espaço propiciando o desenvolvimento das diferentes categorias de habilidades motoras fundamentais com variações livres dos elementos do esforço tendo-se a possibilidade de interação entre os participantes e de integração do grupo.
Utilizou-se, mais uma vez, o pensamento de Laban como sensibilização para esta composição integrativa, propondo-se o compartilhar das composições metafóricas propostas sobre a questão temática do “significado (pessoal) da dança na vida”.
Quando se oferece ajuda aos outros, um sussurro emocional causará arrepios. Como é que isto se expressaria em termos de movimentos?
São diferentes as duas modalidades de satisfação que acompanham a obtenção de valores de ordem material e moral.
No primeiro caso, a satisfação poderá ser intensa mas, de alguma forma, manter-se-á superficial; no segundo ocorrerá muito mais profundamente. É a porção íntima
do ser humano que responde aos valores morais. (LABAN, 1978, p. 226)
Este pensamento sugere uma reflexão sobre o significado da dança para cada um, de acordo com os valores culturais, materiais e morais.
O trabalho de dança criativa, aqui proposto, teve a perspectiva do envolvimento emocional e reflexivo, visto que estes aspectos encontram-se vislumbrados com importância significativa nas propostas de Laban.
Para Laban (1978, p. 177) “[...] o ator pode se constituir num grande doador de seu próprio eu, tornando-se um mediador entre o eu solitário do espectador e o mundo dos valores.”
Nesta composição integrativa, ao compartilhar a metáfora descoberta, as participantes tiveram a oportunidade de doar e receber, através do movimento expressivo, impressões carregadas de valores morais que a dança é capaz de despertar.
Esses valores, quando compartilhados, funcionam como recompensas intrínsecas que podem ser referidas como “o sussurro emocional” citado por Laban, fundamentais para se alcançar a “qualidade da experiência subjetiva”, ou seja, o “fluxo”.
As músicas utilizadas durante a oficina foram do CD Parabelo (produzido para o espetáculo de dança, de mesmo nome, do Grupo Corpo), do CD The best of Yanny do compositor Yanny; e do CD The visit da cantora Lorena Mackennitt.
A dança, com perspectivas de criatividade e auto- expressão por não exigir habilidades motoras previamente especializadas, oferece a oportunidade de participação integrativa de pessoas de vários contextos sociais.
Todos podem experimentar o prazer em expressar-se criativamente através da dança, de acordo com suas habilidades pessoais de nível cognitivo, sócio-afetivo e psicomotor .
Considerações Finais
Após a elaboração de toda a seqüência, foi proposta sua repetição, com o objetivo de torná-la mais definida e mais intensa em termos de sensações e sentimentos surgidos durante o processo criativo.
A proposta final constou de duas etapas: uma apresentação da descoberta individual da composição metafórica; e, em seguida, uma apresentação simultânea em forma de compartilhamento das composições metafóricas,
No entanto, deve-se ter o cuidado de, na metodologia, adotar estratégias de ensino compatível ao contexto dos alunos.
Nesta proposta de ensino de dança buscou-se estratégias que fossem contextuais a um público com experiência profissional em dança. Portanto, considerou-se como um alto desafio o trabalho com imagens metafóricas relacionadas ao significado pessoal da dança; sugerido durante todo o desenvolvimento da proposta metodológica, a qual foi
estruturada pelas habilidades motoras fundamentais e experimentadas através das desafiantes variações dos
elementos do esforço.
Não existiu a pretensão de ocorrência do “fluxo” em uma
primeira experiência durante a oficina. O que se pretendeu foi apresentar uma estrutura didaticamente fundamentada para melhorar a motivação intrínseca em dançar, que pode ser aplicada em outros contextos de ensino de dança.
Vale
ressaltar que os estudos do Laban permitem uma análise do envolvimento dos participantes na experiência, a partir dos movimentos apresentados durante as composições que pode ser de grande valia para guiar o professor na reestruturação da
metodologia durante e após a oficina.
O pensamento filosófico de Laban foi o norteador das intenções desta proposta, portanto, esperou-se também, com este processo, que os participantes tivessem a oportunidade de vivenciar a dança de maneira intensa e significativa e
pudessem assim, descobrir novas habilidades pessoais para alcançar a qualidade da experiência subjetiva.
LABAN, R. Domínio do movimento. São Paulo: Summus,
1978.
______. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990.
LANGER, S. K. Sentimento e forma. São Paulo:
Perspectiva, 1980.
LIMA, N. O movimento como metáfora do inconsciente.
Revista Tesseract. Julho 2001. Disponível em:
http://www.tesseract.psc.br. Acesso em: novembro-2002.
MIRANDA, R. O movimento expressivo. Rio de Janeiro:
Funarte, 1979.
Referências
Endereço:
Edvânia Conceição Fernandes Silva Campeiz
Rua Antônio Pinto, 60 Jardim Murayama
Mogi Mirim SP
13807 704
E-mail: edvaniacampeiz@uol.com.br
Agradecimentos
A autora recebeu o apoio financeiro da CAPES durante o mestrado. Agradecimento especial à organizadora do Encontro Laban 2002 , Regina Miranda e às participantes da
oficina “Dança criativa: habilidades motoras básicas e fatores de movimento” realizada no Encontro Laban 2002 no Museu de Arte Moderna em agosto de 2002 na cidade do Rio de Janeiro – RJ.
OBS. Esta oficina foi ministrada no Encontro Laban 2002 no
Museu de Arte Moderna em agosto, na cidade do Rio de Janeiro – RJ.
O resumo consta nos anais e no programa do Encontro com o título: Dança criativa: habilidades motoras básicas e fatores de movimento. Este relato refere-se portanto
à fundamentação teórica e à visão das autoras sobre a experiência durante a oficina.
Manuscrito recebido em 01 de outubro de 2004.
Manuscrito aceito em 10 de junho de 2005.
CSIKSZENTMIHALYI, M. A psicologia da felicidade. São
Paulo: Saraiva, 1992.
CSIKSZENTMIHALYI, M. A descoberta do fluxo: a
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DASCAL, V. Movement metaphors: linking theory and
therapeutic practice. In: STAMENOV, M. (Ed.). Current
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GILBERT, A.G. Creative dance for all ages. Reston, VA:
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Recreation, and Dance, 1992.
GALLAHUE, D. L. Compreendendo o desenvolvimento
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JOYCE, M. First steps in teaching creative dance to
children. 3rd. ed. London: Mayfield Publishing Company,
1994.
Motriz, Rio Claro, v.10, n.3, p.167-172, set./dez. 2004
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